- Sapatos e quiralidade
- Exemplos
- Ácido tartárico
- Quinina
- Talidomida
- 1,2-Epoxipropano
- 1-feniletilamina
- Comentário final
- Referências
Uma mistura racêmica ou racemato é aquela composta por dois enantiômeros em partes iguais e que, portanto, é opticamente inativa. Essa atividade óptica se refere à capacidade de suas soluções girarem, no sentido horário ou anti-horário, um feixe de luz polarizada que viaja através delas em uma direção.
Um enantiômero tem a capacidade de girar a luz polarizada, digamos, para a esquerda (para a esquerda), de modo que sua solução pura será opticamente ativa. Porém, se o enantiômero que gira a luz para a direita (dextrógiro) começar a ser adicionado a ele, sua atividade óptica diminuirá até que se torne inativo.
Cachos de uvas, que compartilham um parentesco com misturas racêmicas além da etimologia. Fonte: Pexels.
Quando isso acontece, diz-se que há quantidades iguais de enantiômeros levógiros e dextrógiros; Se uma molécula gira a luz polarizada para a esquerda, seu efeito será imediatamente cancelado quando ela "encontrar" outra molécula que a gira para a direita. E assim por diante. Portanto, teremos uma mistura racêmica.
O primeiro avistamento do enantiomerismo foi feito pelo químico francês Louis Pasteur em 1848, que estudava uma mistura de cristais enantioméricos de ácido tartárico (na época chamado ácido racêmico). Como esse ácido vinha das uvas utilizadas para fazer vinhos, essa mistura acabou sendo aplicada de forma geral para todas as moléculas.
Sapatos e quiralidade
Em primeiro lugar, para que haja uma mistura racêmica, deve haver dois enantiômeros (geralmente), o que implica que ambas as moléculas são quirais e que suas imagens no espelho não são sobreponíveis. Um par de sapatos ilustra isso perfeitamente: não importa o quanto você tente sobrepor o sapato esquerdo ao direito, eles nunca vão caber.
O sapato direito, em outras palavras, desvia a luz polarizada para a esquerda; enquanto o sapato esquerdo se move para a direita. Em uma solução hipotética em que os sapatos são as moléculas, se houver apenas sapatos quirais retos, isso será opticamente ativo. O mesmo acontecerá se restarem apenas sapatos em solução.
Porém, se há mil sapatos esquerdos misturados com mil sapatos direitos, então há uma mistura racêmica, que também é opticamente inativa, pois os desvios que a luz sofre em seu interior se anulam.
Se em vez de sapatos fossem bolas, objetos aquirais, seria impossível que existissem misturas racêmicas destes, já que nem mesmo seriam capazes de existir como pares de enantiômeros.
Exemplos
Ácido tartárico
Enantiômeros do ácido tartárico. Fonte: Dschanz
Voltando ao ácido tartárico, sua mistura racêmica foi a primeira a ser conhecida. A imagem superior mostra seus dois enantiômeros, cada um capaz de formar cristais com faces morfológicas "esquerda" ou "direita". Pasteur, usando um microscópio e esforço rigoroso, conseguiu separar esses cristais enantioméricos uns dos outros.
Os cristais dos enantiômeros L (+) e D (-), separadamente, mostram atividade óptica desviando a luz polarizada para a direita ou esquerda, respectivamente. Se ambos os cristais em proporções molares iguais se dissolverem na água, uma mistura racêmica opticamente inativa será obtida como resultado.
Observe que ambos os enantiômeros têm dois carbonos quirais (com quatro substituintes diferentes). Em L (+), os OHs ficam atrás do plano formado pelo esqueleto de carbono e os grupos COOH; enquanto em D (-) estes OH estão acima do referido plano.
Aqueles que sintetizam o ácido tartárico obterão uma mistura racêmica. Para separar o enantiômero L (+) do D (-), é necessária uma resolução quiral, na qual essa mistura é reagida com uma base quiral para produzir sais diastereoisoméricos, capazes de serem separados por cristalização fracionada.
Quinina
Esqueleto estrutural da molécula de quinino. Fonte: Benjah-bmm27.
No exemplo acima, para se referir a uma mistura racêmica de ácido tartárico, ela é geralmente escrita como ácido (±) -tartárico. Assim, no caso da quinina (imagem superior) será (±) -quinina.
O isomerismo da quinina é complexo: possui quatro carbonos quirais, dando origem a dezesseis diastereoisômeros. Curiosamente, dois de seus enantiômeros (um com o OH acima do plano e outro abaixo dele) são, na verdade, diastereoisômeros, uma vez que diferem nas configurações de seus outros carbonos quirais (aqueles do biciclo com o átomo N).
Agora, é difícil determinar qual dos estereoisômeros do quinino desviará a luz polarizada para a direita ou para a esquerda.
Talidomida
Enantiômeros da talidomida. Fonte: Vacinador
Os enantiômeros da talidomida são mostrados acima. Possui apenas um carbono quiral: aquele que está ligado ao nitrogênio que une os dois anéis (um da ftalimida e outro da gluteramida).
No enantiômero R (com propriedades sedativas), o anel ftalimida (o da esquerda) é orientado acima do plano; enquanto no enantiômero S (com propriedades mutagênicas), abaixo.
Não é conhecido por cento a olho qual dos dois desvia a luz para a esquerda ou para a direita. O que se sabe é que uma mistura 1: 1 ou 50% de ambos os enantiômeros forma a mistura racêmica (±) -talidomida.
Se se deseja comercializar a talidomida apenas como sedativo hipnótico, é obrigatório submeter sua mistura racêmica à resolução quiral já mencionada, de forma que seja obtido o enantiômero R puro.
1,2-Epoxipropano
Enantiômeros 1,2-epoxipropano. Fonte: Gabriel Bolívar.
Na imagem superior você tem o par de enantiômeros de 1,2-epoxipropano. O enantiômero R desvia a luz polarizada para a direita, enquanto o enantiômero S a desvia para a esquerda; isto é, o primeiro é (R) - (+) - 1,2-epoxipropano e o segundo é (S) - (-) - 1,2-epoxipropano.
A mistura racêmica dos dois, novamente, na proporção de 1: 1 ou 50%, torna-se (±) -1,2-epoxipropano.
1-feniletilamina
Enantiômeros de 1-feniletilamina. Fonte: Gabriel Bolívar.
Acima é mostrada outra mistura racêmica formada pelos dois enantiômeros de 1-feniletilamina. O enantiómero R é (R) - (+) - 1-Feniletilamina e o enantiómero S é (S) - (-) - 1-Feniletilamina; um tem o grupo metil, CH 3, apontando para fora do plano do anel aromático, e o outro apontando abaixo dele.
Observe que quando a configuração é R, às vezes ela coincide com o fato de que o enantiômero gira a luz polarizada para a direita; no entanto, nem sempre se aplica e não pode ser considerada como uma regra geral.
Comentário final
Mais importante do que a existência ou não das misturas racêmicas é sua resolução quiral. Isto aplica-se especialmente a compostos com efeitos farmacológicos que dependem do referido estereoisomerismo; ou seja, um enantiômero pode ser benéfico para o paciente, enquanto o outro pode afetá-lo.
É por isso que essas resoluções quirais são usadas para separar as misturas racêmicas em seus componentes e, assim, ser capazes de comercializá-los como drogas puras sem impurezas prejudiciais.
Referências
- Morrison, RT e Boyd, R, N. (1987). Quimica Organica. 5ª Edição. Editorial Addison-Wesley Interamericana.
- Carey F. (2008). Quimica Organica. (Sexta edição). Mc Graw Hill.
- Graham Solomons TW, Craig B. Fryhle. (2011). Química orgânica. Aminas. (10ª edição). Wiley Plus.
- Steven A. Hardinger. (2017). Glossário ilustrado de química orgânica: mistura racêmica. Departamento de Química e Bioquímica, UCLA. Recuperado de: chem.ucla.edu
- Nancy Devino. (2019). Mistura racêmica: definição e exemplo. Estude. Recuperado de: study.com
- James Ashenhurst. (2019). Estereoquímica e quiralidade: o que é uma mistura racêmica? Recuperado de: masterorganicchemistry.com
- John C. Leffingwell. (2003). Quiralidade e Bioatividade I.: Farmacologia.. Recuperado de: leffingwell.com