AGROECOLOGIA: HISTÓRIA, PRINCÍPIOS, APLICAÇÕES E BENEFÍCIOS - MEIO AMBIENTE - 2024

A agroecologia é a aplicação da ecologia na agricultura. Surge como uma abordagem que apóia a produção de alimentos e outros produtos, por meio de processos que protegem o meio ambiente e os pequenos produtores agrícolas.

Muitos dos princípios agroecológicos são considerados tão antigos quanto a própria agricultura (cerca de 10.000 anos), no entanto, sua popularidade e expansão recentes estão relacionadas aos efeitos sociais e ambientais adversos que a chamada “agricultura industrializada” gerou.

Figura 1. Utilização da prática agroecológica denominada: consórcio de culturas, neste caso o tomate é consorciado com a cultura do café. Fonte: Neil Palmer, via Wikimedia Commons

O termo agroecologia é usado atualmente na ciência, e também como uma descrição de um movimento sociocultural e práticas agrícolas. Todos esses significados têm significados muito diferentes.

A abordagem agroecológica aplica simultaneamente conceitos e princípios ecológicos e sociais; para a concepção e gestão de alimentos e sistemas agrícolas.

História da agroecologia

Revolução verde

A chamada “revolução verde” na agricultura, ocorrida entre os anos 1940 e 1970, foi um movimento técnico-industrial que promoveu a adoção de novas tecnologias, com o objetivo de aumentar a produtividade das lavouras.

Essas tecnologias basicamente implicaram na implementação das seguintes estratégias:

• Sistemas de monocultura.
• Uso de variedades melhoradas de safras.
• Aplicação de fertilizantes químicos.
• Aplicação de pesticidas sintéticos.
• Uso de sistemas de irrigação.

Essas estratégias geraram um aumento na produção agrícola, em um esforço para alimentar uma crescente população global. No entanto, várias consequências prejudiciais não intencionais também surgiram.

Impactos socioambientais da revolução verde

Entre as consequências prejudiciais da revolução verde, sabemos agora que as novas variedades agrícolas de alto rendimento substituíram as variedades tradicionais, que estavam bem adaptadas às condições locais e eram uma fonte de diversidade genética.

Além disso, a aplicação de monoculturas de alto rendimento, como as utilizadas na produção de milho, trigo e arroz, causou uma redução na qualidade nutricional da dieta humana, ao substituir frutas, hortaliças e culturas tradicionais.

Figura 2. Produtos vegetais cultivados agroecologicamente. Fonte: Elina Mark, do Wikimedia Commons

Outros impactos ambientais decorrentes da adoção desses sistemas massivos de produção são: perda de biodiversidade e habitat; contaminação dos recursos hídricos por agrotóxicos; solo e água devido ao uso excessivo de fertilizantes; a redução da quantidade de água disponível para irrigação; entre outros.

Movimentos ambientais globais têm alertado sobre esses impactos ambientais gerados pela atividade agrícola convencional desde os anos 1960. No entanto, essas formas de produção agrícola global ainda prevalecem.

Evolução do conceito de agroecologia

Bensin

O uso do termo agroecologia remonta à década de 1930 e foi usado pelo agrônomo russo Bensin, que o usou para descrever o uso de métodos ecológicos na pesquisa de plantas comerciais.

No entanto, o termo agroecologia passou a ser interpretado de maneiras muito diferentes.

Em seu significado mais clássico, agroecologia se refere ao estudo de fenômenos puramente ecológicos dentro do campo de cultivo, como relações predador / presa, ou competição entre plantações e ervas daninhas.

Miguel Altieri

De um modo geral, a agroecologia frequentemente incorpora idéias sobre uma abordagem da agricultura mais ambiental e socialmente sensível, com foco não apenas na produção, mas também na sustentabilidade ecológica do sistema de produção agrícola.

É assim que a agroecologia tem sido definida por um dos mais importantes teóricos desta disciplina, Miguel Altieri, para quem o uso "normativo" do termo implica uma série de pressupostos sobre a sociedade e a produção, que vão além dos limites do campo agrícola..

Alexander Wezel e seus colaboradores

Essa multiplicidade de interpretações da agroecologia foi abordada por Alexander Wezel e seus colaboradores (2009). Eles relatam que o desenvolvimento da agroecologia começou como uma disciplina científica na década de 1970 e antes.

Depois, na década de 1980, como um conjunto de "práticas" e finalmente como um movimento social na década de 1990. Hoje, o termo "agroecologia" pode ser entendido como:

• Uma disciplina científica.
• Uma prática agrícola.
• Um movimento político ou social.

Em conclusão, a agroecologia envolve várias abordagens para resolver os reais desafios da produção agrícola. Enquanto a agroecologia se preocupou inicialmente com a produção de safras e questões de proteção, nas últimas décadas ela lidou com questões ambientais, sociais, econômicas, éticas e de desenvolvimento sustentável.

A agroecologia busca otimizar as interações entre plantas, animais, humanos e o meio ambiente, considerando os aspectos sociais que devem ser atendidos para um sistema alimentar justo e sustentável.

Abordagens para agroecologia

Hoje, três abordagens principais persistem na pesquisa agroecológica, dependendo da escala estudada:

• Na escala de parcelas e campos.
• Na escala do agroecossistema e da fazenda.
• Pesquisa cobrindo todo o sistema alimentar global.

Figura 3. Diversidade, uma das premissas da agroecologia. Fonte: Keith Weller, USDA, via Wikimedia Commons

Princípios agroecológicos

-O que diferencia a agroecologia de outras abordagens para o desenvolvimento sustentável?

A agroecologia é fundamentalmente diferente de outras abordagens para o desenvolvimento sustentável nos seguintes aspectos:

Processos “bottom-up” (

A agroecologia é baseada em processos "ascendentes", o que significa que as soluções para os problemas existentes surgem do local e do particular, e depois aumentam para o global e geral.

As inovações agroecológicas baseiam-se na criação conjunta de conhecimento, aliando a ciência aos saberes tradicionais, práticos e locais dos produtores.

Autonomia local

A agroecologia empodera produtores e comunidades como principais agentes de mudança, melhorando sua autonomia e capacidade de adaptação aos desafios de produção existentes.

Soluções abrangentes de longo prazo

Em vez de modificar as práticas de sistemas agrícolas insustentáveis, a agroecologia busca transformar os sistemas alimentares e agrícolas, abordando as causas dos problemas existentes de forma integrada. Assim, a agroecologia oferece soluções abrangentes e de longo prazo.

Dimensão social

A agroecologia inclui um foco explícito nas dimensões sociais e econômicas dos sistemas alimentares. Centra-se particularmente nos direitos das mulheres, jovens e povos indígenas.

-Princípios da agroecologia de acordo com a FAO

A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) identificou uma série de 10 elementos-chave inter-relacionados.

Esses 10 elementos são um guia para formuladores de políticas públicas e partes interessadas no planejamento, gerenciamento e avaliação da transição para um modelo de agricultura sustentável global.

Cada um dos elementos levantados pela FAO é resumido muito brevemente abaixo:

Diversidade

A diversificação é fundamental para as transições agroecológicas, a fim de garantir a segurança alimentar e nutricional, ao mesmo tempo que conserva, protege e valoriza os recursos naturais.

Os sistemas agroecológicos são caracterizados por sua alta diversidade.

Sinergias

A criação de sinergias aprimora as principais funções nos sistemas alimentares, aumentando a produção e vários serviços ecossistêmicos.

As sinergias implicam em ações conjuntas entre diversos fatores que se reforçam mutuamente, produzindo um efeito final, maior do que a soma de seus efeitos isolados.

Eficiência

Práticas agroecológicas inovadoras produzem mais, usando menos recursos externos. Desta forma, a exploração dos recursos naturais na produção agrícola mundial é minimizada.

Resiliência

A resiliência expressa uma alta capacidade de recuperação de pessoas, comunidades e ecossistemas, após um impacto negativo. Este é um aspecto fundamental para alcançar sistemas agrícolas e alimentares sustentáveis.

Sistemas agroecológicos diversificados tendem a ser mais resilientes, com maior capacidade de recuperação de choques, incluindo eventos climáticos extremos (como secas, enchentes ou furacões) e de resistir ao ataque de pragas e doenças.

Reciclando

Maior reciclagem durante os processos agrícolas significa reduzir os custos associados a essa atividade econômica e os danos ambientais gerados.

Criação conjunta e conhecimento compartilhado

As inovações agrícolas respondem melhor aos desafios locais, quando criadas em conjunto por meio de processos participativos. Daí a importância do compromisso das comunidades locais com a aplicação e desenvolvimento desses sistemas agrícolas.

Valores humanos e sociais

A proteção e melhoria dos meios de subsistência rurais, equidade e bem-estar social são essenciais para sistemas agrícolas e alimentares sustentáveis.

A agroecologia dá ênfase especial aos valores humanos e sociais, como dignidade, equidade, inclusão e justiça.

Cultura e tradição alimentar

Ao apoiar dietas tradicionalmente saudáveis, diversificadas e culturalmente apropriadas, a agroecologia contribui para a segurança alimentar e boa nutrição, enquanto mantém a saúde dos ecossistemas.

Governo responsável

A agricultura e os alimentos sustentáveis ​​requerem mecanismos de governança transparentes, responsáveis ​​e eficazes em diferentes escalas, do local ao nacional e ao global.

Esses mecanismos transparentes de governança são requisitos para a criação de um ambiente propício que permita aos produtores transformar seus sistemas, seguindo conceitos e práticas agroecológicas.

Economia circular e solidária

A economia circular implica o aproveitamento máximo de recursos e a reutilização de resíduos em outros processos.

Economias desse tipo, consideradas solidárias, religam produtores e consumidores, proporcionando soluções inovadoras para viver dentro dos limites planetários. A agroecologia busca essa reconexão.

Além disso, a economia circular garante a base social para um desenvolvimento inclusivo e sustentável.

Figura 4. A ferrugem do caule do trigo está desenvolvendo novas cepas virulentas que ameaçam muitos cultivares de baixa diversidade. Os problemas com pragas são aumentados em modelos de produção intensiva. Fonte: Foto de Yue Jin. {{PD-USGov-USDA-ARS}}.

Aplicações agroecológicas

Problemas do modelo de produção atual

Os sistemas agrícolas e alimentares de hoje têm sido bem-sucedidos no fornecimento de grandes volumes de alimentos aos mercados globais. Porém, estão gerando resultados socioambientais negativos, devido a:

• A degradação generalizada da terra, da água e dos ecossistemas do mundo.
• Altas emissões de gases de efeito estufa.
• Perda de biodiversidade
• A persistência da pobreza e desnutrição em países subdesenvolvidos, juntamente com o rápido aumento da obesidade e de doenças relacionadas à dieta nos países desenvolvidos.
• Pressão sobre os meios de subsistência dos agricultores em todo o mundo.

Muitos desses problemas atuais estão ligados à "agricultura industrial". Por exemplo, monoculturas intensivas e lotes agrícolas em escala industrial, que agora dominam as paisagens agrícolas, acabaram com a biodiversidade local, aumentando a dependência de fertilizantes químicos e pesticidas tóxicos.

Essas práticas também levam ao estabelecimento de sistemas agrícolas altamente vulneráveis.

Figura 5. A agricultura intensiva ou industrial apresenta múltiplos problemas de longo prazo, demonstrando sua insustentabilidade. Fonte: Soil-Science.info, via Wikimedia Commons

Benefícios da agroecologia

Diante de todos os problemas do atual modelo de produção agrícola industrial, a agroecologia surge como um modelo de agricultura sustentável, baseado na preservação do meio ambiente e do equilíbrio social.

A agroecologia considera: a diversificação de fazendas e paisagens agrícolas, a substituição de insumos químicos por insumos naturais biodegradáveis, a otimização da biodiversidade e o estímulo das interações entre as diferentes espécies de ecossistemas agrícolas.

As diversas técnicas agrícolas da agroecologia envolvem o desenho de sistemas adaptados às condições locais, utilizando práticas com mínimo impacto ambiental, como compostagem, vermicultura, manejo integrado de pragas e rotação de culturas.

Além disso, a agroecologia inclui aspectos sociais que sustentam o modelo de produção agrícola.

Sistemas Agroecológicos Diversificados (SAD)

Os sistemas agroecológicos diversificados mantêm o carbono no solo, promovem a biodiversidade, reconstroem a fertilidade do solo e mantêm os rendimentos ao longo do tempo, fornecendo uma base para a subsistência agrícola segura.

Figura 6. Agricultura familiar, alternativa que continua sendo a de maior produção mundial (família de produtores em El Salvador). Ao contrário da crença popular, a agricultura industrial não é a que produz mais. Fonte: flickr.com

Numerosas investigações mostraram que os SADs podem competir com a agricultura industrial em termos de produção total, com desempenho particularmente robusto sob pressão ambiental.

Os sistemas agroecológicos diversificados também promovem a diversificação de dietas diversas e melhorias na saúde da população.

A tendência atual

Os sistemas convencionais de produção agroindustrial têm gerado efeitos socioambientais muito negativos que agora são evidentes.

Por isso, há um crescente interesse global na criação de conhecimento aplicável à produção agroecológica (sustentável), no desenvolvimento de novas formas de cooperação e até mesmo de novas relações de mercado, que evitem os circuitos convencionais de varejo.

Considera-se que um maior incentivo político global favoreceria o surgimento de alternativas adaptadas às necessidades regionais e locais, bem como uma mudança no modo de produção dos sistemas alimentares globais.

Referências

1. Altieri, M. (2018). Agroecologia: A Ciência da Agricultura Sustentável. CRC Press 2ª edição, 448 pp.
2. Francis C, Lieblein G, Gliessman S, Breland TA, Creamer N, et al. 2003. Agroecologia: a ecologia dos sistemas alimentares. J. Sustain. Agric. 22: 99-118
3. IPES-Food. 2016. Da uniformidade à diversidade: uma mudança de paradigma da agricultura industrial para sistemas agroecológicos diversificados. Painel Internacional de Especialistas em Sistemas Alimentares Sustentáveis. www.ipes- food.org.
4. Tomich, TP, Brodt, S., Ferris, H., Galt, R., Horwath, WR, Kebreab, E.,… Yang, L. (2011). Agroecologia: Uma Revisão de uma Perspectiva de Mudança Global. Annual Review of Environment and Resources, 36 (1), 193–222. doi: 10.1146 / annurev-amb-012110-121302
5. Wezel, A., Bellon, S., Doré, T., Francis, C., Vallod, D., & David, C. (2009). A agroecologia como ciência, movimento e prática. Uma revisão. Agronomy for Sustainable Development, 29 (4), 503–515. doi: 10.1051 / agro / 2009004